14 novembro 2008

O homem que sublinhava a vida

Sublinhava livros para se lembrar do que lera e agora já nem se lembrava de os ter lido. Os livros amontoavam-se ao alcance da mão, ladeando a cama. Lia livros para saber como era a vida e a vida amontoava-se, sublinhando-lhe a lembrança com a perda da memória.
Durante a noite de hoje entretivera-se, nocturno, a iludir o cansaço organizando, meticuloso, a biblioteca já lida e a biblioteca ainda por ler. Misturara tudo por não compreender a distinção entre o esquecido e o não sabido.
Sentara-se então, hesitando entre o que ler e o deixar a leitura para amanhã. O sono interveio, amigo, a alquebrar-lhe a resistência. Mais em baixo, na rua, enxergava-se o sem fim da avenida, rápidos os automóveis de incógnita viagem. Acordaria pelas quatro da manhã, uma folha aberta, incompreendida já pela dormência. Sublinhava livros.