02 outubro 2012

Poema do primeiro dia

Seria talvez a circunstância
ou o momento
ou o ter ficado aberta a porta
que um acaso poderia ter fechado.
Ou porventura a sonolência já não permitisse
das sombras descortinar a luz
ou das linhas
a esquadria
e a vida lhe sumisse como um remorso
que é aquela forma de já não poder mais viver
o que ficou para trás no já vivido.

Recordava agora a hora do adeus
o primeiro e momento único em que
separados com um promessa
não mais se encontrariam
sob o mesmo sentimento
o mesmo alhear-se o vulto na distância
o atenuar-se da silhueta
o desenho.

Naquele dia contivera das lágrimas a evidência
porque sabia
na incerta razão do sem motivo
que não mais seria assim.

Perdera-se da vida a dignidade
do seu amor a dor que na garganta dava em nó.

Fora o primeiro dia de aulas
a única vez em que ali estivera
carregado de esperanças
e a animar-se de certezas.

Um dia fora um encargo da vida
outra a própria vida a encarregar-se.
Estavam hoje como dois estranhos
silenciosos pelo que sabiam impossível ser dito
sem que a mágoa
os separasse mais do que os separava já
a ausência de sentimentos
aquela forma de ausência se tornar mais funda.

Tinham-se convocado para aquele dia
porque os unia
o mesmo nome
e a essência do mesmo sangue.

Seria talvez essa
a circunstância e o momento.
A porta ficara aberta.

No interior soturno da sala
a Mãe velava, imóvel,
olhando inerte por todos eles
como se os sentisse sem os ver
como assim fora
precisamente no primeiro dia.