26 setembro 2008

De todos indiferentes

Estava sentado na cama, as pernas recolhidas, sentindo áspero dos calcanhares como uma lixa na maciez da pele, os joelhos masssacrados de doerem, uma ligeira caimbra pela incómoda da posição, um ligeiro torpor de sono, o cansaço no colo na form de um livro de leitura por acabar.
No tecto uma luz hesitante mal projectava a sombra da lâmpada que a gerava, a luz da mesinha de cabeceira definitivamente avariada.
Vinda da contígua retrete um hálito a desinfectante. Não havia lugar recôndito onde se respirasse outra coisa para além da sordidez que habitava aquele local, empestando-lhe as paredes.
Foi então que a vi, hesitante, como se tivesse olhos para me ter visto, um dorso luzidio a assinalar-lhe a presença, ensaiando uma corrida para se proteger do perigo circundante.
Afinal eu mais não era do que um viajante de ocasião, surpreendido pela noite e pela chuva, as meias e cuecas lavadas no mesmo lavatório onde um gotejar audível marcava uma canalização moída pelo uso e seus despejos, o sarro junto ao ralo uma limpeza descuidada, rotineira entre mudas sucessivas de lençóis.
Poderia tê-la esmagado, fazendo estalar sob a sola do meu sapato aquela rígida carapaça, que era o elmo que a protegia do mundo, o modo que encontrara de se defender dos humanos. Não sei sequer porque não o fiz. Hoje esconde-se debaixo da cama, quando não foje pelos canos entupidos e pestiletos, as tacteantes patinhas, de todos indiferente e da cidade alheada.