20 setembro 2008

A paragem na Avenida

Passava, aninhada no transporte público, tendo no casario em frente uma janela como horizonte, o haver nela luz, companhia. A seu lado os prisioneiros da monotonia seguiam, enlatados, para os trabalhos enfadonhos a que chamavam empregos, vindos de antros de aborrecimento a que chamavam lares. Indiferentes, sem saberem, amuados, o que é o amor feito de olhos ansiosos.
Naquela rua, mudava de transporte, seguindo em linha recta, em outra lata motorizada igual, uma das que se chamam autocarro. No além da janela, mesmo havendo luz, podia estar ninguém. A esperança de uma presença era a força que lhe fazia bater o magnífico e carinhoso coração.
Num casquinar de estridência um horrendo «olhem, olhem» acordou-os a todos: «o homem está em pelota!», grunhiu-se do banco dos palermas, à ré.
À janela, pois, imagine-se, na cidade de Lisboa, a paragem em frente não detinha o exibicionismo imparável. «Um vaidoso», diria um, num ruminar anónimo, a mão filada na balaustrada, para evitar os sacões daquele rodinhas da senhora Carris, «um nojo!», vociferava outra, o repúdio nascido das ânsias por não ter visto.