25 abril 2010

O animal regurgitante

Saturam
os textos lamurientos
a escorrer lamentos
tanto quanto
os casais quezilentos

Saturam
as dores e enfastiam as mágoas
as primeiras porque males presentes
estas porque mal passado
que teima em apresentar-se

Saturam
os gatos-pingados e o conteúdo funéreo de suas vidas
acompanhantes tristonhos de passeios funestos
convivas do forçado encontro
de onde se não volta, aliás
e de onde regressam todos os circunstantes
para os risos e desenganos

Saturam
os hospitais e assépticas coisas que tais

Satura a precariedade e o consequente feio
o intervalo prolongado que é continuar-se assim
cada vez mais tolerado
e a rir-se um homem desdentadamente
e sem saber

Satura a prosa e enjoa a poética
Endoidece o silêncio e assassina o verbo
morre-se de raivosa congestão vocabular
como há quem viva na doce anemia do analfabetismo.

Saturam e enjoam todas estas as coisas vomitáveis
que se mastigam no quotidiano
e se ruminam como memória
regurgitadamente.