14 janeiro 2011

A visitação da noite

Poderia ter sido o amor fulgurante, rompante súbito a implodir no coração e fazer ressaltar nos sentidos a ânsia. Ou o amor manso, ternura a sobrepor-se à pele como uma macia outra pele.
Poderia ter sido num caso a violência da paixão e seu arroubo, poderia ter sido no outro a mansidão do carinho e suas carícias.
Poderia ter sido uma longa amizade a tornar indispensável a companhia, ou uma carência a tornar necessária uma presença.
Poderia ter sido cada uma destas ou todas elas, no acaso de um momento.
Sempre o amor seria, porém, um outro mundo, evanescente, a flagrância do instante e sua cegueira, a essência perfumada e sua hipnose.
Poderia ter sido fome de corpo ou vontade de alma. Poderia ter sido todo o possível e o impossível.
Imperceptível, mesmo pelos que amam, poderia ser o desejo de ter nascido para te dar toda a vida vivida, descontado o sofrimento, mas não seria vida mas ilusão.
Excluídos todos os condicionais de todos os amores amados, todos os futuros de todos os amores que se amarão, como este é o amor presente como a estranha geometria do eterno sem fim, a insólita aritmética da perpétua indivisão!
No dia em que, esgotado o cosmos, ressurgir o primeiro sol, ele brilhará. A primeira lua será o ressurgir do seu resplandecente luar.
Surgido com a primeira lágrima, surgiu com o primeiro sorriso.
A ser a totalidade sempre seria a individualidade da infinitésima partícula e é. Esgotado o mundo ele seria o acto de renascer e eis-nos soerguidos.
Na visitação da noite, no fluir húmido de todas as rosas do teu corpo ele é o apogeu do primeiro homem e sua primeira mulher. Na entrega de cada acto ele é o desmaio da primeira vez, a primeira mão dada, o primeiro beijo, o primeiro olhar.
No mundo em que nada existisse ele seria, sendo, a essência e a possibilidade de tudo quanto vive, um amar como não sei e com tudo o que nunca soube.